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Características da linguagem acadêmica

A linguagem acadêmica denota um conjunto de características discursivas, uma forma de usar a linguagem que tem sido adotada por especialistas para construir e apresentar o conhecimento acumulado nas diversas áreas do saber. Algumas dessas características são de caráter léxico e outras, gramaticais.

No que se refere ao vocabulário, além do uso de termos técnicos e científicos [ver vocabulário técnico], os textos escolares se diferenciam de outros usos da linguagem pela alta proporção de nomes. Enquanto no uso cotidiano da linguagem é comum haver uma proporção mais equilibrada entre nomes e verbos, nos textos escolares há maior concentração de “coisas”, o que os torna mais densos em termos de informação [ver densidade], pois apresentam (empacotam ou condensam) um número elevado de informações em poucas palavras, exigindo das crianças a compreensão de um grande número de ideias por cada segmento textual.

Além disso, muitos desses nomes não se referem a fatos ou objetos concretos perceptíveis pelos sentidos, mas a conceitos e ideias gerais [ver palavras abstratas, nominalizações].

No que diz respeito à organização da linguagem, destacam-se o uso de marcadores discursivos, as sentenças complexas (especialmente as estruturas encaixadas) e a progressão temática que determina a dinâmica informativa do texto.

Todas essas características cumprem funções específicas nos textos acadêmicos: ajudam a expressar ideias técnicas e abstratas; tornam possível apresentar informações altamente detalhadas em um fluxo informativo sintético e coerentemente interligado; e permitem a construção de teorias.

Contudo, pesquisadores da linguagem acadêmica concluíram que essas e outras características dos textos escolares criam barreiras para as crianças acessarem o conhecimento disciplinar [1-4]. Por isso, propõem que tais características sejam abordadas explicitamente em sala de aula, no contexto de estudo dos conteúdos de cada disciplina.

Assim, justifica-se o desenho de experiências e atividades de aprendizagem que coloquem em destaque a forma como a linguagem é utilizada para cumprir determinadas funções nos textos acadêmicos, como descrever entidades, explicar fenômenos, apresentar conceitos, etc. Consideramos que, no contexto de desenvolvimento de sequências de ensino e de aprendizagem construtivas, atentar-se à linguagem dos textos escolares pode ser uma ferramenta importante para ajudar as crianças a se apropriarem dos conceitos e explicações compartilhadas em sala de aula.

Os nomes correspondem a uma classe de palavras utilizadas para designar seres animados ou inanimados, equivalem às palavras classificadas gramaticalmente como substantivos.

Os grupos nominais são construções sintáticas que têm por núcleo um nome modificado por outras construções, como adjetivos, sentenças preposicionais, aposições, entre outras.

Os textos com alta proporção de nomes são densos, porque se referem a um número elevado de entidades ou aspectos da realidade tratada. Isso exige que as crianças compreendam um número maior de ideias por sentença [5].

No exemplo, para observarmos esse fenômeno, a cor amarela destaca o texto composto por nomes e grupos nominais, enquanto os trechos sublinhados ressaltam os verbos e grupos verbais. Como podemos observar, a cor amarela predomina.

MODERNA. Projeto Buriti – História. 4º ano, 1ª edição. p. 96. São Paulo, SP, 2011.

Nos enunciados, alguns nomes cumprem a função de sujeito ou de tema da predicação – sobre o que se fala.

No exemplo, notamos que alguns comentários ou explicações são sobre os nomes, como “a revolta” ou “a luta”. Porém, a maioria está relacionada a extensos grupos nominais, isto é, a nomes com abundantes elementos especificadores (modificadores anteriores ou posteriores ao nome central), observemos:

  • “Muitos vaqueiros, mestiços de portugueses com indígenas.”
  • “Grande parte das terras perto do Rio Parnaíba (no atual estado do Piauí) e do Rio São Francisco (na atual Bahia)”.
  • “Alguns indígenas que sobreviveram...”

Ainda fazem parte da categoria dos nomes, outros aspectos característicos da linguagem acadêmica: o vocabulário técnico, as palavras abstratas e as nominalizações.

Ao vocabulário técnico correspondem os termos especializados das diferentes disciplinas. Em História, por exemplo, palavras como “monarquia”, “colonização” e “derrama”.

No exemplo citado anteriormente, os termos técnicos são: “sesmeiros”, “confederação”, “missões”.

Palavras que remetem a conceitos e ideias gerais, ou seja, não se referem a fatos ou objetos concretos e perceptíveis pelos sentidos. Termos como “desenvolvimento”, “fenômeno”, “processo”, “governo”, “movimento”, “monopólio”, “produção”, “industrialização” são exemplos de palavras abstratas.

Os linguistas denominam esse processo de “nominalização". A nominalização permite converter em coisas (nomes) ações e atributos que seriam ditos comumente com verbos e adjetivos. Ao fazer isso, os cientistas conseguem criar entidades teóricas ou virtuais que podem ser estudadas (explicadas, comentadas, analisadas).

As nominalizações desempenham diversas funções nos textos: ajudam a sintetizar ou condensar o discurso prévio e, ao mesmo tempo, servem de mecanismos referenciais que fazem alusão a elementos que foram introduzidos anteriormente no texto.

No exemplo a seguir, observamos como os termos “revolta”, “luta”, “derrota” e “avanço” retomam enunciados prévios a fim de agregar uma nova informação. Esse modo de usar a linguagem ajuda a criar o fluxo da informação no texto. A nominalização “derrota”, por exemplo, condensa em uma só palavra aquilo que tinha sido dito com várias: "em 1713, tropas paulistas derrotaram a Confederação dos Cariris". No enunciado seguinte, a mesma palavra “derrota” se converte em ponto de partida para introduzir uma nova informação referente ao destino dos indígenas sobreviventes.

As nominalizações são um eficiente mecanismo de elaboração do significado, pois permitem empacotar grandes quantidades de informação por sentença por meio de uma variedade de elementos modificadores, incluindo adjetivos, sintagmas preposicionais, sentenças relativas, entre outros [6].

Exemplo de análise de nominalizações em um trecho do texto:

MODERNA. Projeto Buriti – História. 4º ano, 1ª edição. p. 96. São Paulo, SP, 2011.

Halliday destaca que o encaixamento é uma característica distintiva do discurso acadêmico e científico [7]. Trata-se de orações que funcionam como “constituinte” de outra, como mecanismo para expandir o grupo nominal. Observemos os exemplos:

  • "A maioria dessas terras foi ocupada por vaqueiros, que desenvolviam a pecuária, e por roceiros, que plantavam pequenas roças."
  • "[...] fazendas de gado que foram se expandindo pelo interior..."
  • "[...] grupos de indígenas cariris, que já moravam nelas muito antes da chegada dos portugueses."
  • "[...] os colonos que queriam tomar suas terras para construir fazendas..."
  • "[...] alguns indígenas que sobreviveram..."
  • "Alguns sobreviventes indígenas que participaram da Confederação dos Cariris..."

Construções como essas tornam os textos densos e, portanto, exigem que as crianças considerem aspectos diferenciadores que são introduzidos no texto para caracterizar os temas se relatam ou explicam.

Referências bibliográficas

[1] Moss, G. (2000). The language of school textbooks and the ideology of Science. Zona Próxima, 1, 44-55.
[2] Moss, G. (2009). Los textos escolares en Ciencias Sociales y Ciencias Naturales y su relación con los procesos de aprendizaje. El caso de Colombia. D.E.L.T.A., 25: Especial, 657-663.
[3] Moss, G., Chamorro, D., Barletta, N., & Mizuno, J. (2013). La metáfora gramatical en los textos escolares de Ciencias Sociales en español. Onomázein Revista de Lingüística, Filología y Traducción, 28, 88-104. http://doi.org/10.7764/onomazein.28.3
[4] Chamorro, D., Barletta, N. & Mizuno, J. (2013). El lenguaje para enseñar y aprender las Ciencias Naturales: un caso de oportunidades perdidas para la formación ciudadana. Revista Signos. Estudios de Lingüística, 46(81), 3-28.
[5] Schleppegrell, M. (2001). Linguistic features of the language of schooling. Linguistics and Education, 12, 431-459.
[6] Fang, Z., Schleppegrell, M. J., & Cox, B. E. (2006). Understanding the language demands of schooling: Nouns in academic registers. Journal of Literacy Research, 38(3), 247-273.
[7] Halliday, M. A. K., & Martin, J. R. (1993). Writing Science: Literacy and discursive power. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press.